sábado, novembro 25, 2006

A FRAUDE

Imagine-se que por qualquer razão Portugal e os portugueses desapareceriam do mapa e que uma qualquer individualidade teria a possibilidade, quer pelo poder económico quer pelo poder politico, de adoptar por simpatia o nome de Portugal para uma qualquer região do globo e ao mesmo tempo que passaria a chamar de portugueses os seus concidadãos. Até aqui, mesmo que parecendo estranho, a situação poderia ser aceitável. O que não estaria correcto era que esse novo país e esse novo povo adoptassem também toda a história do Portugal original como se essa história fizesse parte do seu próprio passado quando afinal a única história em comum era apenas e só o próprio nome. Se assim não fosse estaríamos como se compreenderá perante um caso de falsidade e de fraude.
Fraude é exactamente a palavra mais correcta para designar em relação ao que se passou durante esta semana. Não se trata de nenhuma fraude económica como tantas que fazem parte do nosso dia a dia. É bem mais grave, trata-se de uma fraude histórica.
Em 1930 surgia em Portugal uma estação de rádio privada à qual deram o nome de RÁDIO CLUBE PORTUGUÊS. Atravessou toda a época do Estado Novo, e nela ficaram registados momentos especiais desse período histórico entre os quais se destaca a leitura dos comunicados do movimento das forças armadas que derrubou o regime na madrugada do 25 de Abril de 74. Por ali passaram também muitos dos profissionais de referência do entretenimento e do jornalismo português. Decisões políticas de vária ordem no âmbito da comunicação social fizeram com que aquela estação fosse nacionalizada e mais tarde denominada de Rádio Comercial. Em 1975 o RCP acabara de morrer. A história do RCP tinha chegado ao fim. Ficaram apenas para a posteridade as suas memórias.
Nos anos 90 o fenómeno rádio voltou a assistir a um novo “boom”. O surgimento das rádios locais e regionais obrigadas por lei a certas responsabilidades e a um caderno de encargos que aos poucos e poucos foi ignorado e desprezado pelas autoridades competentes, melhor dizendo, incompetentes. O poder económico foi descobrindo ali, adoptando algumas modificações no âmbito dos seus interesses estratégicos, mais uma possível fonte de receitas e até de movimentação política ou de criação de “lobbies” com diversos objectivos. Ficaram esquecidos os interesses das populações locais para as quais as rádios deveriam estar vocacionadas especialmente no âmbito informativo e cultural como inicialmente lhes era imposto no tal e esquecido caderno de encargos. Foram muito poucas e aquelas que mantiveram a mínima qualidade exigível e os objectivos para as quais foram criadas, destaque-se aqui um dos raros casos de maior sucesso, a TSF. Entretanto os alvarás foram prorrogados como se tudo se mantivesse na mais perfeita das normalidades.
Numa dessas frequências locais da região de Lisboa, acabou por ser ocupada por uma estação de rádio que no seu princípio patenteou algum interesse, sobretudo na sua fase “pirata” com um elevado grau de profissionalismo. Tratava-se da “Correio da Manhã Rádio” ligada aos proprietários do jornal com o mesmo nome. Num polémico concurso para a atribuição de uma frequência regional, mais abrangente, aquela estação viria a ganhar a referida frequência em detrimento da TSF. Não interessa agora trazer para aqui as contingências que envolveram este concurso. A “Correio da Manhã Rádio” cresceu mas ao mesmo tempo foi perdendo a graça que tinha no projecto inicial. Não teve mais tarde “pernas” para acompanhar outros projectos mais consistentes e melhor preparados. Caiu em desgraça. Os seus profissionais foram aos poucos abandonando-a, passou de mão em mão transformando-se mais tarde numa emissora divulgadora de musica nostálgica adquirindo mesmo o nome de Rádio Nostalgia. Entretanto um grupo económico de comunicação, a Media Capital, adquiriu várias estações de rádio de entre as quais esta mesma Rádio Nostalgia. Dado os fracos resultados em termos de audiências e consequentemente em receitas publicitárias, o proprietário da Media Capital, Miguel Paes do Amaral, entendeu procurar uma outra solução para salvar a sua Rádio Nostalgia. Imaginou um projecto e resolveu comprar o nome Rádio Clube Português e transferi-lo para a Rádio Nostalgia. O nome está no “ar” há já alguns meses mas a concretização do projecto, que já teve vários recuos, anuncia-se lá para o início do próximo ano. Perante tudo isto impõe-se perguntar, mas o que é que esta estação tem de comum com o antigo Rádio Clube Português? Rigorosamente nada, a não ser o nome que foi comprado, o passado de ambos nem sequer se cruzam.
Pois esta semana e aproveitando a efeméride de que, se o antigo RCP ainda existisse comemoraria os seus 75 anos de idade, o novo RCP fazendo um aproveitamento no mínimo desonesto entendeu, com o intuito comercial de lançar o seu novo projecto, fazer a propósito uma emissão muito especial assumindo-se como proprietária de toda a história passada do antigo e defunto RCP. Mais grave ainda, nesta emissão especial participaram no engodo altas individualidades do país, desde o Presidente da República, passando pelo Primeiro Ministro e Presidente da Comissão Europeia para além de historiadores, cientistas, sociólogos, políticos, jornalistas etc etc. Ninguém denunciou a fraude.

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