terça-feira, janeiro 04, 2011

OS RESTOS DO ANO

Se daqui a dez anos se perguntar a alguém o que mais o marcou em 2010 de pouquíssima coisa se recordará. Só o que realmente é significativo e provoca consequências na vida dos cidadãos nos anos seguintes se torna efectivamente inesquecível. Fechando os olhos e concentrando-nos no ano que passou e, pensando naquilo que nunca mais vamos apagar das nossas memorias, sobra-nos muito pouco para relembrar 2010. Tentemos um exercício.

José Sócrates, ele e o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, são as figuras eleitas pela maioria dos órgãos de informação mas será sempre o primeiro-ministro aquele de quem dificilmente nos esqueceremos. Diga-se aliás que à semelhança de Cavaco Silva ambos foram os políticos portugueses que melhores condições tiveram para governar o país depois da revolução de Abril, graças às maiorias conquistadas e à duração em que estiveram no poder mas, serão sobretudo lembrados pela grande oportunidade que desperdiçaram para a concretização de projectos consistentes de governação e de desenvolvimento sustentado do país, assim como pela sua submissão perante os grandes da Europa. Eles foram os representantes máximos do Portugal de “mão estendida”. Cavaco beneficiou das melhores condições financeiras proporcionadas pelos fundos da Comunidade Europeia que serviram pouco mais do que para mostrar obra feita do regime com a construção de inúmeras auto-estradas. Como moeda de troca abatemos a nossa agricultura e as nossas pescas. Dificilmente algum dia as recuperaremos. José Sócrates, por debaixo da capa socialista, deitou por terra toda a esperança da esquerda moderada ao enveredar por uma política acentuadamente neoliberal e também deveras incompetente como se veio a verificar e com um apego ao poder tão descarado quer pelas estratégias aplicadas quer pelo exibicionismo demonstrados. Pelos estragos provocados, levará muito tempo até que os portugueses consigam entender os princípios nobres de governantes verdadeiramente socialistas ou de políticas de cariz socialista. José Sócrates colocou o socialismo não na gaveta mas em coma e deixou-nos desanimados e igualmente doentes. Vamos ver se 2010 não foi o ano da agonia de Sócrates e infelizmente da nossa também. Tudo indica que em 2011 poderá ser o ano da sua queda definitiva. Fez por o merecer.

Que mais poderemos recordar a nível nacional relativamente a 2010? Com certeza, a aprovação de um orçamento que contemplou cortes salariais no funcionalismo público, injustos e danosos para a economia e que muito dificilmente serão recuperados mas, isso é já fazer futurologia o que não será muito aconselhável nos tempos que correm.

Quando se falar da legalização dos casamentos gays em Portugal, 2010 é também uma data à qual esta lei ficará para sempre ligada.

A data da morte dos grandes escritores mundiais será eterna tal como as suas obras. Em 2010 faleceu José Saramago.

De resto o que mais nos fica de 2010? Que o Benfica foi campeão nacional de futebol? Ou que José Mourinho foi de novo campeão europeu? Ou que Carlos Queiroz voltou a ser seleccionador nacional e voltou a falhar e a ser polémico? Nada de importante a não ser para as estatísticas futebolísticas. Ficará para a história do chamado desporto rei a realização do primeiro mundial de futebol organizado no continente africano onde os espanhóis, também pela primeira vez, se tornaram nos novos conquistadores.

Além-fronteiras também pouca coisa merecerá nos próximos anos importante destaque a não ser talvez mais uma crise europeia à qual os portugueses estão também associados. Veremos se 2010 não terá sido o princípio do fim do Euro ou mesmo da própria União Europeia. Grécia, Irlanda e Angela Merkl serão recordados pelas piores razões. A líder alemã poderá vir a ser conhecida pela coveira da unidade europeia.

Em 2010 o mundo assistiu a uma viragem histórica da Igreja Católica nas suas políticas conservadoras ao admitir o uso do preservativo. A sua teimosia poderá ter causado inúmeras mortes em todo o mundo. Antes tarde do que nunca. Com esta decisão Bento XVI pode ter conseguido o aplauso e a admiração unânime de toda a gente.

Há um homem que talvez seja muitas vezes mencionado e que nos surpreendeu em 2010. Ele foi denunciador e acaba perseguido. Que importância daremos no futuro a Julien Assanje e ao Wikileaks? Vamos ter que esperar para ver.

De 2010 sobra-nos a transmissão televisiva global de uma operação de resgate dos mineiros chilenos e do aparecimento do Facebook que também passou a ligar entusiasticamente milhões de pessoas. Aguardemos agora para verificarmos se o ano de 2010 não foi aquele que antecedeu um ainda pior. A desconfiança subsiste. Mais do que nunca.



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